PERFECTAE CARITATIS

Paulo bispo

servo dos servos de Deus

com os padres do sagrado concílio

para a perpétua memória

DECRETO PERFECTAE CARITATIS SOBRE A CONVENIENTE RENOVAÇÃO DA VIDA RELIGIOSA*

Proêmio

  1. O sacrossanto Concílio, depois de, na Constituição “Lumen Gentium”, ter mostrado que a consecução da caridade perfeita, pela via dos conselhos evangélicos, deriva da doutrina e dos exemplos do divino Mestre e brilha como sinal luminoso do Reino celeste, propõe-se tratar da disciplina e vida dos Institutos, cujos membros professam castidade, pobreza e obediência, e prover às necessidades dos mesmos, conforme sugerem os nossos tempos.

Logo desde os princípios da Igreja, houve homens e mulheres, que pela prática dos conselhos evangélicos procuraram seguir a Cristo com maior liberdade e imitá-lo mais de perto, consagrando, cada um a seu modo, a própria vida a Deus. Muitos, movidos pelo Espírito Santo, levaram vida solitária, ou fundaram famílias religiosas, que depois a Igreja de boa vontade acolheu e aprovou com a sua autoridade. Daqui proveio, por desígnio de Deus, a variedade admirável de famílias religiosas, que muito contribuiu para que a Igreja não só ficasse apta para toda a obra boa (cf. 2Tm 3,17) e preparada para o ministério da edificação do Corpo de Cristo (cf. Ef 4,12), mas, ainda uma vez aformoseada com a variedade dos dons dos seus filhos, se apresente como esposa ornada ao seu esposo (cf. Ap 21,2) e por meio dela brilhe a multiforme sabedoria de Deus (cf. Ef 3,10).

Em tanta variedade de dons, todas as pessoas que são chamadas por Deus à prática dos conselhos evangélicos e fielmente os professam, consagram-se de modo particular ao Senhor, seguindo a Cristo, que, sendo virgem e pobre (cf. Mt 8,20; Lc 9,58), remiu e santificou todos os homens pela obediência até à morte da cruz (cf. Fl 2,8). Movidos assim pela caridade, que o Espírito Santo derrama nos seus corações (cf. Rm 5,5), mais e mais vivem para Cristo e para o seu Corpo, que é a Igreja (cf. Cl 1,24). Quanto mais fervorosamente se unem a Cristo por esta doação de si que abraça a vida inteira, tanto mais rica se torna a vida da Igreja e mais fecundo o seu apostolado.

Ora, para que o valor excelente da vida consagrada pela profissão dos conselhos evangélicos e a sua função necessária resultem para maior bem da Igreja nas presentes circunstâncias, este sagrado Concílio determina o que segue, que apenas diz respeito aos princípios gerais de uma conveniente renovação da vida e disciplina das religiões, das sociedades de vida comum sem votos, respeitando-lhes a índole própria, e dos Institutos seculares. As normas particulares, que exporão convenientemente e aplicarão esses princípios, serão dadas depois do Concílio pela autoridade competente.

Princípios gerais para a conveniente renovação

  1. A conveniente renovação da vida religiosa compreende não só o contínuo regresso às fontes de toda a vida cristã e à genuína inspiração dos Institutos, mas também a sua adaptação às novas condições dos tempos. Esta renovação, sob o impulso do Espírito Santo e a orientação da Igreja, deve promover-se segundo os princípios seguintes:
  2. a) Dado que a vida religiosa tem por última norma o seguimento de Cristo proposto no Evangelho, esta deve ser a regra suprema de todos os Institutos.
  3. b) Reverte em bem da Igreja que os Institutos mantenham a sua índole e função particular. Por isso, sejam conhecidos e guardados com exatidão o espírito e os intentos dos fundadores, bem como as sãs tradições: tudo isto constitui o patrimônio de cada Instituto.
  4. c) Todos os Institutos participem da vida da Igreja, e, segundo a própria índole, tenham como suas e favoreçam quanto puderem as iniciativas e propósitos da mesma Igreja em matéria bíblica, litúrgica, dogmática, pastoral, ecumênica, missionária e social.
  5. d) Os Institutos promovam nos seus membros o conveniente conhecimento das condições dos homens e dos tempos, bem como das necessidades da Igreja; de maneira que, sabendo eles julgar sabiamente das situações do mundo dos nossos dias à luz da fé e ardendo de zelo apostólico, possam mais eficazmente ir ao encontro dos homens.
  6. e) Dado que a vida religiosa se ordena, antes de tudo, a que os seus membros sigam a Cristo e se unam a Deus, mediante a profissão dos conselhos evangélicos, ponderar-se seriamente que as melhores adaptações às necessidades do nosso tempo não sortirão efeito, se não forem animadas da renovação espiritual, que sempre, mesmo na promoção das obras exteriores, deve ter a parte principal.

Critérios práticos para a renovação

  1. O modo de viver, de orar e trabalhar conforme-se às condições físicas e psicológicas dos religiosos, bem como, segundo a índole de cada Instituto, às necessidades do apostolado, às exigências da cultura, e às situações sociais e econômicas: isto em toda a parte, mas sobretudo em terras de missão.

À luz destes critérios, examine-se também o modo de governo dos Institutos.

Por isso, as Constituições, os Diretórios, os livros de costumes, de orações, cerimônias, e semelhantes, tudo seja revisto convenientemente e adaptado aos documentos deste Concílio, pondo de lado o que esteja obsoleto.

Quem há de fazer a renovação

  1. A renovação eficaz e a adaptação conveniente não se podem obter sem a colaboração de todos os membros do Instituto.

Estabelecer, porém, as normas e dar as leis desta renovação, assim como oferecer possibilidades de uma suficiente e prudente experiência, toca apenas às autoridades competentes, sobretudo aos Capítulos gerais, salva a aprovação da Santa Sé ou dos Ordinários do lugar, quando for necessária, segundo as normas do direito. Todavia, os superiores, nas coisas que dizem respeito a todo o Instituto, consultem e ouçam os seus súditos como convier.

Para a devida adaptação dos mosteiros femininos (monasteriorum monialium), poder-se-ão obter também os votos e pareceres das assembléias das federações ou de outras reuniões legitimamente convocadas.

Lembrem-se, porém, todos que a esperança da renovação deve ser posta mais na diligente observância da Regra e das Constituições, do que na multiplicação das leis.

Alguns elementos comuns a todas as formas de vida religiosa

  1. Os membros de todo e qualquer Instituto lembrem-se principalmente que responderam à vocação divina pela profissão dos conselhos evangélicos, não só para morrerem para o pecado (cf. Rm 6,11), mas também para, renunciando ao mundo, viverem exclusivamente para Deus. Toda a vida puseram ao seu serviço, o que constitui uma consagração especial, que se radica intimamente na consagração do batismo e a exprime mais perfeitamente.

Tendo, porém, sido aceita pela Igreja esta doação de si mesmos, considerem-se também como adstritos ao seu serviço.

Este serviço de Deus deve incitá-los e levá-los ao exercício das virtudes, sobretudo da humildade e da obediência, da fortaleza e da castidade, pelas quais participam no despojamento de Cristo (cf. Fl 2,7-8) e na sua vida no espírito (cf. Rm 8,1-13).

Os religiosos, portanto, fiéis à profissão, deixando tudo por amor de Cristo (cf. Mc 10,28), sigam-no (cf. Mt 19,21) como única coisa necessária (cf. Lc 10,42), ouvindo a sua palavra (cf. Lc 10,39), solícitos das coisas que são dele (cf. 1Cor 7,32).

Por isso, os membros de qualquer Instituto, buscando acima de tudo e unicamente a Deus, saibam conciliar a contemplação, pela qual se unem a Deus pela mente e pelo coração, com o amor apostólico; este amor os levará a esforçarem-se por se associar à obra da redenção e dilatar o seu Reino.

Primazia da vida espiritual

  1. Os que professam os conselhos evangélicos, busquem e amem mais que tudo a Deus, que primeiro nos amou (cf. 1Jo 4,10), e procurem em todas as circunstâncias cultivar a vida escondida com Cristo em Deus (cf. Cl 3,3), da qual dimana e recebe estímulo o amor do próximo para a salvação do mundo e a edificação da Igreja. Esta caridade anima e rege também a prática dos conselhos evangélicos.

Por isso, os membros dos Institutos cultivem com esforço contínuo o espírito de oração e a mesma oração, recorrendo às fontes genuínas da espiritualidade cristã. Sobretudo tenham todos os dias entre as mãos a Sagrada Escritura, para que aprendam, pela leitura e meditação, “a eminente ciência de Jesus Cristo” (Fl 3,8). A sagrada liturgia, sobretudo o sacrossanto mistério da eucaristia, celebrem-na de coração e de palavra segundo o espírito da Igreja, e alimentem desta abundantíssima fonte a vida espiritual.

Assim, alimentados à mesa da divina Lei e do sagrado altar, amem fraternalmente os membros de Cristo, reverenciem e estimem com espírito filial os seus pastores; vivam e sintam mais e mais com a Igreja e dediquem-se totalmente à sua missão.

Institutos inteiramente dedicados à contemplação

  1. Os Institutos que se ordenam exclusivamente à contemplação, de tal modo que os seus membros se ocupam só de Deus, no silêncio e na solidão, em oração contínua e repetidas penitências, embora seja urgente a necessidade do apostolado, conservam sempre a parte mais excelente dentro do Corpo místico de Cristo, em que “nem todos os membros… têm a mesma função” (Rm 12,4). Na verdade, oferecem a Deus sacrifício exímio de louvor, enriquecem com abundantes frutos de santidade o povo de Deus, movem-no com o seu exemplo e dilatam-no mercê da sua misteriosa fecundidade apostólica. São honra da Igreja e manancial das graças celestiais. O seu modo de viver, porém, seja revisto segundo os princípios acima expostos e os critérios de um conveniente renovamento, mantendo-se, contudo, intactos a separação do mundo e os exercícios próprios da vida contemplativa.

Institutos dedicados à vida apostólica

  1. Muitíssimos são na Igreja os Institutos, tanto clericais como laicais, dados às várias obras de apostolado, cada um com dons diferentes, segundo a graça que lhes foi dada: quer o do serviço ao servir, quer o do ensino ao ensinar, o da exortação exortando, o de repartir com desinteresse, o de exercer misericórdia com alegria (cf. Rm 12,5-8). “As graças são várias, mas o Espírito é o mesmo” (1Cor 12,4).

Em tais Institutos, pertence à própria natureza da vida religiosa a atividade apostólica e de beneficência, como santo ministério e como obra de caridade própria, que a Igreja lhes confiou para ser exercida em seu nome. Por isso, toda a vida religiosa dos membros seja imbuída de espírito apostólico e toda a ação apostólica seja enformada pelo espírito religioso. Sobretudo para corresponderem à vocação de seguir a Cristo e para que sirvam ao próprio Cristo nos seus membros, é necessário que a ação apostólica, que exercem, dimane da união deles com Cristo. Sucederá que, desta forma, se alimentará igualmente a caridade para com Deus e para com o próximo.

Por isso, estes Institutos conciliem as suas observâncias e costumes com os requisitos do apostolado a que se dedicam. Porém, como são muitas e variadas as formas de vida religiosa consagrada às obras apostólicas, é necessário que a sua renovação tenha em conta esta diversidade, e que, nos vários Institutos, a vida dos membros ao serviço de Cristo seja favorecida com os meios que lhes são próprios e adaptados à sua finalidade.

A fidelidade à vida monástica e conventual

  1. Conserve-se fielmente e brilhe cada vez mais no seu genuíno espírito, tanto no Oriente como no Ocidente, a venerável instituição da vida monástica, que tantos méritos alcançou no decorrer dos séculos diante da Igreja e da sociedade humana. O principal dever dos monges é servir, de modo ao mesmo tempo humilde e nobre, a divina Majestade dentro das paredes do mosteiro, quer se entreguem totalmente ao culto divino na vida contemplativa, quer tenham assumido legitimamente algumas obras de apostolado ou caridade cristã. Mantida, pois, a índole própria da instituição, renovem as suas antigas e beneméritas tradições, acomodando-as porém às necessidades hodiernas das almas, de tal forma que os mosteiros sejam como que os viveiros da edificação do povo de Cristo.

Do mesmo modo, os institutos religiosos que, pela sua regra e instituição, associam intimamente a vida apostólica à vida de coro e às observâncias monásticas, conciliem seu modo de viver com as exigências do apostolado, de tal maneira que mantenham fielmente a sua forma de vida, que reverte em grandíssimo proveito da Igreja.

A vida religiosa laical

  1. A vida religiosa laical, tanto de homens como de mulheres, constitui em si mesma um estado completo de profissão dos conselhos evangélicos. Por isso, o sagrado Concílio, que a tem em grande estima, tão útil ela é para a missão pastoral da Igreja na educação da juventude, cuidado dos doentes e outros ministérios, confirma os seus membros na vocação e exorta-os a adaptar a sua vida às exigências modernas.

O sagrado Concílio declara que nada obsta a que nas religiões de Irmãos, permanecendo embora firme a sua índole laical, alguns dos membros recebam as Ordens sacras por disposição do Capítulo geral, para assim atenderem às necessidades do ministério sacerdotal nas suas casas.

Os Institutos seculares

  1. Os Institutos seculares, ainda que não sejam Institutos Religiosos, comportam verdadeira e completa profissão dos conselhos evangélicos no mundo, reconhecida pela Igreja. Esta profissão confere a consagração, tanto a homens como mulheres, a leigos ou clérigos, que vivem no mundo. Por isso, os indivíduos procurem sobretudo fazer doação total de si mesmos a Deus na caridade perfeita; e os Institutos mantenham o seu caráter próprio e peculiar, isto é, a secularidade, para poderem exercer eficazmente e por toda a parte o apostolado, no mundo e como que a partir do mundo, pois para isso foram instituídos.

Estejam todavia bem cientes os Institutos que não poderão exercer tão alta missão, se os seus membros não forem cuidadosamente formados nas disciplinas divinas e humanas, de tal maneira que sejam deveras fermento no mundo, para força e incremento do Corpo de Cristo. Portanto, os responsáveis cuidem seriamente da formação, sobretudo espiritual, dos membros e do seu ulterior aperfeiçoamento.

A castidade

  1. A castidade “por amor do Reino dos Céus” (Mt 19,12), que professam os religiosos, deve ser tida como exímio dom da graça. Liberta de modo singular o coração do homem (cf. 1Cor 7,32-35), para que mais se acenda na caridade com Deus e com todos os homens. É, por isso, sinal dos bens celestes e meio aptíssimo para levar os religiosos a dedicarem-se generosamente ao serviço de Deus e às obras de apostolado. Tornam-se assim, diante de todos os cristãos,

o sinal daquele admirável consórcio estabelecido por Deus, que se há de manifestar plenamente na vida futura, pelo qual a

Igreja tem a Cristo como seu único esposo.

É necessário, portanto, que os religiosos, ao esforçar-se por ser fiéis à sua profissão, acreditem nas palavras do Senhor e, confiando no auxílio divino, não presumam das próprias forças, mas se dêem à mortificação e à guarda dos sentidos. Nem deixem de usar os meios naturais, que favorecem o bom estado do espírito e do corpo. Assim, não serão influenciados pelas doutrinas daqueles que apresentam a continência perfeita como impossível ou nociva à perfeição humana, e repelirão, como que por um instinto espiritual, tudo aquilo que põe em perigo a castidade. Lembrem-se, além disso, todos, sobretudo os superiores, que a castidade se conserva mais seguramente, quando reina o verdadeiro amor fraterno na vida das comunidades.

Visto que a observância da castidade perfeita atinge intimamente as inclinações mais profundas da natureza humana, os candidatos não abracem tal estado nem sejam admitidos à profissão da castidade, senão depois de provação verdadeiramente suficiente e quando tiverem a devida maturidade psicológica e afetiva. Sejam não só instruídos sobre os perigos que ameaçam a castidade, mas formem-se de tal maneira que abracem o celibato consagrado a Deus até como um bem para o desenvolvimento integral da pessoa.

A pobreza

  1. A pobreza voluntária abraçada para seguir a Cristo, de que é sinal, hoje sobretudo, muito apreciado, cultivem-na diligentemente os religiosos e, se for necessário, exprimam-na até sob novas formas. Por ela participa-se da pobreza de Cristo, que sendo rico, por nosso amor se fez pobre, para que nós fôssemos ricos da sua pobreza (cf. 2Cor 8,9; Mt 8,20).

Pelo que toca, porém, à pobreza religiosa, não basta sujeitarem-se aos Superiores no uso dos bens; é preciso que os religiosos sejam pobres real e espiritualmente, possuindo os seus tesouros no céu (cf. Mt 6,20).

Cada um no seu ofício, sinta-se obrigado à lei comum do trabalho, e, enquanto busca as coisas necessárias à sustentação e às obras, ponha de lado toda a solicitude exagerada, e entregue-se à Providência do Pai celeste (cf. Mt 6,25).

As Congregações religiosas podem permitir nas Constituições que os seus membros renunciem aos bens patrimoniais adquiridos ou a adquirir.

Os Institutos, tendo em conta as condições de cada lugar, esforcem-se por dar testemunho por assim dizer coletivo de pobreza, e concorram de boa vontade, com alguma coisa dos próprios bens, para as demais necessidades da Igreja e para o sustento dos pobres, a quem todos os religiosos devem amar nas entranhas de Cristo (cf. Mt 19,21; 25,34-46; Tg 2,15-16; 1Jo 3,17). As províncias e as casas religiosas estabeleçam entre si comunicação dos bens temporais, de maneira que, aquelas que têm mais, ajudem as outras que sofrem necessidade.

Embora os Institutos, salvas as Regras e Constituições, tenham direito a possuir o que é necessário à vida temporal e às próprias obras, evitem, contudo, toda a aparência de luxo, de lucro exagerado e de acumulação de bens.

A obediência

  1. Pela profissão da obediência, os religiosos oferecem a plena oblação da própria vontade como sacrifício de si mesmos a Deus, e por ele se unem mais constante e seguramente à vontade salvífica de Deus. Por isso, a exemplo de Jesus Cristo, que veio para fazer a vontade do Pai (cf. Jo 4,34; 5,30; Hb 10,7; Sl 39,9), e, “tomando a forma de servo” (Fl 2,7), aprendeu a obedecer por aquilo que padeceu (cf. Hb 5,8), os religiosos, sob a moção do Espírito Santo, sujeitam-se na fé aos superiores, vigários de Deus. Por estes são levados a servir todos os seus irmãos em Cristo, da mesma maneira que o próprio Cristo, por causa da sua sujeição ao Pai, serviu os irmãos e deu a sua vida para redenção de muitos (cf. Mt 20,28; Jo 10,14-18). Assim, unem-se mais estreitamente ao serviço da Igreja e procuram chegar à medida da estatura da plenitude de Cristo (cf. Ef 4,13).

Portanto, os religiosos, em espírito de fé, e de amor à vontade de Deus, sujeitem-se humildemente aos superiores, segundo as próprias Regras e Constituições, pondo as forças da inteligência e da vontade, bem como os dons da natureza e da graça, no cumprimento das ordens e na execução dos cargos que lhes forem confiados, sabendo que estão prestando a sua colaboração para a edificação do Corpo de Cristo, segundo o desígnio de Deus. Desta maneira a obediência religiosa, longe de diminuir a dignidade da pessoa humana, fá-la atingir o seu pleno desenvolvimento, aumentando a liberdade dos filhos de Deus.

Todavia os superiores, como quem terá de dar contas das almas que lhes foram confiadas (cf. Hb 13,17), mostrando-se dóceis à vontade de Deus no cumprimento do seu cargo, exerçam a autoridade em espírito de serviço a favor de seus irmãos, de tal maneira que sejam a expressão da caridade com que Deus os ama. Governem os súditos como filhos de Deus e com respeito pela pessoa humana, promovendo a submissão voluntária. Por isso, deixem-lhes de modo particular a devida liberdade no que toca ao sacramento da penitência e à direção espiritual. Levem os súditos a colaborar, com obediência ativa e responsável, no desempenho das funções e na aceitação das iniciativas. Procurem, por isso, os superiores ouvir os súditos e promover a colaboração deles, para bem do Instituto e da Igreja, mantendo todavia a sua autoridade para decidir e ordenar o que deve fazer-se.

Os Capítulos e os Conselhos cumpram fielmente a sua função no governo, e, cada um a seu modo, exprimam a participação e a solicitude de todos os membros no bem da comunidade inteira.

A vida em comum

  1. A vida em comum, a exemplo do que sucedia na primitiva Igreja, quando a multidão dos fiéis era um só coração e uma só alma (cf. At 4,32), alimentada pela doutrina evangélica, pela sagrada liturgia e sobretudo pela eucaristia, persevere na oração, e na comunhão do mesmo espírito (cf. At 2,42). Os religiosos, como membros de Cristo, tratem-se uns aos outros com recíproco respeito (cf. Rm 12,10), carregando uns os fardos dos outros (cf. Gl 6,2). Com efeito, mercê da caridade de Deus difundida nos corações pelo Espírito Santo (cf. Rm 5,5), a comunidade, como verdadeira família reunida em nome do Senhor, goza da sua presença (cf. Mt 18,20). E a caridade é a plenitude da lei (cf. Rm 13,10) e o vínculo da perfeição (cf. Cl 3,14), e sabemos que, mercê dela, fomos transferidos da morte para a vida (cf. 1Jo 3,14). Mais ainda, a unidade dos irmãos manifesta o advento de Cristo (cf. Jo 13,35; 17,21), e dela dimana uma grande virtude apostólica.

Mas, para que seja mais íntimo o vínculo da fraternidade entre os religiosos, aqueles que dão pelo nome de Irmãos Conversos, Coadjutores, ou outro nome, estejam estreitamente unidos à vida e aos trabalhos da comunidade. Se as circunstâncias não aconselharem verdadeiramente outra coisa, procure-se nos Institutos femininos chegar a uma só categoria de Irmãs. Conserve-se apenas aquela diversidade de pessoas que for exigida pela diversidade de trabalhos a que as Irmãs são destinadas ou por vocação particular de Deus ou por especial aptidão.

Os mosteiros masculinos, porém, e os Institutos não meramente laicais, podem admitir, de harmonia com a sua natureza e segundo as próprias Constituições, clérigos e leigos, que terão os mesmos direitos e os mesmos deveres, exceto naquelas coisas que provêm da Ordem sacerdotal.

A clausura das monjas

  1. A clausura papal mantenha-se em vigor para as monjas de vida estritamente contemplativa; seja, porém, adaptada às condições de tempo e lugar, e suprimam-se, depois de ouvido o parecer dos próprios mosteiros, os costumes que forem obsoletos.

As outras monjas que, por força do Instituto, se dedicam às obras externas do apostolado, sejam dispensadas da clausura papal, para poderem realizar melhor os encargos apostólicos que lhes forem confiados, conservando, porém, a clausura segundo as próprias Constituições.

O hábito religioso

  1. O hábito religioso, como sinal de consagração, seja simples e modesto, simultaneamente pobre e condigno, e, além disso, consentâneo com as exigências da saúde e acomodado às condições de tempo e lugar e às necessidades do ministério. O hábito, masculino ou feminino, que não estiver de harmonia com estas normas, deve ser mudado.

Formação dos religiosos

  1. A conveniente renovação dos Institutos depende sobretudo da formação dos membros. Por isso, não se destinem às obras de apostolado, imediatamente depois do noviciado, os religiosos não clérigos e as religiosas; mas prolongue-se convenientemente, em casas aptas, a sua formação religiosa e apostólica, doutrinal e técnica, sem excluir até a consecução dos títulos acadêmicos.

Para que a adaptação da vida religiosa às exigências do nosso tempo não seja meramente externa, nem se dê o caso de aqueles que se destinam, por força do Instituto, ao apostolado externo, não se encontrarem preparados para o seu múnus, sejam convenientemente instruídos, segundo os dotes intelectuais e a índole pessoal de cada um, acerca dos hábitos e dos modos de sentir e pensar da vida social hodierna. A formação há de orientar-se de tal modo que, pela fusão harmônica dos seus elementos, concorra para dar unidade à vida dos religiosos.

Durante toda a vida, procurem os religiosos completar cuidadosamente esta cultura espiritual, doutrinal e técnica; e os superiores dêem-lhes, tanto quanto puderem, oportunidade, meios e tempo.

É também dever dos superiores cuidar que os diretores, Mestres de espírito e professores sejam muito bem escolhidos e cuidadosamente preparados.

Fundação de novos Institutos

  1. Na fundação de novos Institutos, ponderem-se atentamente a necessidade ou pelo menos a grande utilidade, assim como a possibilidade de desenvolvimento, para que não surjam imprudentemente Institutos inúteis ou desprovidos de suficiente vigor. Promovam-se e cultivem-se, de modo especial nas cristandades recentes, aquelas formas de vida religiosa que se adaptam à índole, costumes, tradições e situações dos seus habitantes.

Conservação, adaptação e abandono das obras próprias

  1. Os Institutos mantenham e desenvolvam com fidelidade as obras que lhes são próprias; e acomodem-nas, tendo em conta a utilidade da Igreja universal e das dioceses, às necessidades dos tempos e dos lugares, adotando os meios convenientes, e até mesmo novos, deixando porém de lado aquilo que hoje menos corresponde ao genuíno espírito e natureza de cada Instituto.

Conserve-se inteiramente o espírito missionário nos Institutos Religiosos, mas adapte-se, segundo a índole de cada um, às condições dos nossos dias, de tal maneira que a pregação do Evangelho se torne cada vez mais eficaz junto de todos os povos.

Institutos e mosteiros decadentes

  1. Os Institutos e mosteiros que, ouvido o parecer dos Ordinários do lugar a quem dizem respeito, não derem, a juízo da Santa Sé, fundada esperança de vir a reflorescer posteriormente, proíbam-se de continuar a receber noviços e, se for possível, unam-se a outros Institutos ou mosteiros, que não difiram muito do seu fim e do seu espírito.

União de Institutos

  1. Os Institutos e mosteiros “sui juris”, segundo a oportunidade e com a aprovação da Santa Sé, promovam entre si federações, se de algum modo pertencem à mesma família religiosa; ou uniões, se tiverem quase as mesmas Constituições e costumes e forem animados do mesmo espírito, sobretudo quando são demasiadamente pequenos; ou ainda associações, se praticam as mesmas ou semelhantes obras de apostolado.

Conferências de Superiores Maiores

  1. Devem favorecer-se as Conferências ou os Conselhos de Superiores Maiores eretos pela Santa Sé, que muito podem concorrer para a consecução mais perfeita do fim de cada Instituto, para promover colaboração mais eficaz em vista do bem da Igreja, e distribuição de operários do Evangelho em determinado território em forma mais eqüitativa, assim como para tratar os negócios comuns dos religiosos, estabelecendo-se coordenação e cooperação com as Conferências episcopais quanto ao exercício do apostolado. Estas Conferências podem-se também instituir para os Institutos seculares.

As vocações religiosas

  1. Os sacerdotes e educadores cristãos empenhem-se seriamente para que a Igreja, por meio de vocações religiosas, devida e atentamente selecionadas, receba novo incremento que corresponda plenamente às suas necessidades. Mesmo na pregação ordinária fale-se mais freqüentemente sobre a escolha dos conselhos evangélicos e do estado religioso. Os pais, ao educarem cristãmente os filhos, cultivem e protejam nos corações deles a vocação religiosa.

É lícito aos Institutos darem-se a conhecer para fomentar vocações e angariar candidatos, contanto que o façam com a devida prudência e segundo as normas dadas pela Santa Sé e pelos Ordinários do lugar.

Lembrem-se, porém, os religiosos que o exemplo da própria vida é a melhor recomendação dos Institutos e o melhor convite para abraçar a vida religiosa.

Conclusão

  1. Os Institutos, para os quais se dão estas normas de adaptação e renovação, correspondam prontamente à sua vocação divina e à missão, a cumprir hoje na Igreja. O sagrado Concílio tem em grande apreço este gênero de vida, feita de virgindade, pobreza e obediência, vida de que foi exemplo o próprio Cristo Senhor nosso, e deposita firme esperança no seu trabalho tão fecundo, escondido ou patente. Todos os religiosos difundam portanto, no mundo inteiro, a Boa Nova de Cristo, pela integridade da sua fé, pela caridade para com Deus e para com o próximo, pelo amor à cruz e esperança da glória futura, a fim de que o seu testemunho seja visível a todos e seja glorificado o nosso Pai que está nos céus (cf. Mt 5,16). Assim, por intercessão da dulcíssima Virgem Maria, Mãe de Deus, “cuja vida é para todos ensinamento”,1 desenvolver-se-ão cada dia mais e mais, e darão frutos de salvação mais abundantes.

Promulgação

Todas e cada uma das coisas que neste Decreto se publicaram, agradaram aos Padres do sagrado Concílio. E nós, pela autoridade apostólica que nos concedeu Cristo, juntamente com os veneráveis Padres, as aprovamos no Espírito Santo, as decretamos e estabelecemos; e para glória de Deus, mandamos promulgar o que o Concílio estabeleceu.

Roma, junto de São Pedro, aos 28 de outubro de 1965.

Eu, PAULO, Bispo da Igreja Católica

(Seguem-se as assinaturas dos Padres Conciliares)